Dissecando AfroRagga MOVNI


 
Você começou sua caminhada cedo. Como a música entrou na sua vida?
 
      Minha mãe é uma pessoa sintonizada profundamente com música. Ela adora ouvir música o dia inteiro e quando eu era criança ela era bem intensa com isso. Curtia essa onda musical comigo. Ficava me instigando a ouvir sons de diversos estilos. Ela ouvia música de uma forma diferente da maioria porque ela não tinha rótulos e nem se importava com o estilo, ela só queria sentir o som que agradava o ouvido dela.
      Meu pai curtia cantar nos sambas da cidade por diversão, sem compromisso profissional. Mas ele fez isso por muitos anos e eu herdei a habilidade de canto natural dele. Foi assim que a música entrou na minha vida com um grande curso intensivo dentro de casa.
 
O que te inspira na hora de compor um som?
 
      Eu adquiri a habilidade de tentar desvendar os mistérios de cada instrumental, de cada batida. Cada instrumental tem um mistério a ser resolvido. Tem áreas não exploradas a serem mapeadas. Hoje é como resolver um problema matemático e esse processo me traz muito prazer, tentar encontrar as soluções de cada música (instrumental, tema ideal pra batida e levada sintonizada com a frequência e clima da música). Então diria que a minha inspiração é diferente - é sentir o prazer em resolver os mistérios de cada música.
 
Como você procura escolher e aplicar as diversas influências sonoras nas suas obras?
 
      Não tenho um processo específico para escolher quais influências aplicar mas sim o hábito de ouvir muita música de diversos estilos e criar um arsenal na mente. Arsenal de linhas vocais, sonoridades e possibilidades de tons. O mais interessante é que além de usar a influência eu tenho a obrigação de adaptar essa influência com o meu estilo gerando assim uma originalidade na criação. A ideia e estender o melhor de si mesmo. Você criar um menu de roupagens do seu tamanho vocal. Explorar a si mesmo é o segrego da originalidade. 
Qual o seu objetivo com a música?
 
      Gerar sensação e reflexão para uma vida mais consciente sobre os próprios atos, a sociedade e a sobre a natureza humana. Gosto de falar de tudo mas com uma pitada de poesia e filosofia útil ao dia dia.
 
Como você enxerga o meio musical e os diversos movimentos impulsionados por ela?
 
      O meio musical nacional é feito basicamente de guerreiros destemidos e corajosos quando se fala da cena alternativa e independente. Temos um país com uma mentalidade que não leva a sério  assunto algum (são só ilusionistas que nunca resolvem realmente como devem). Então o investimento na infraestrutura musical-cultural é totalmente comprometida, o que dificulta a criação de mercados diversificados e igualmente atendidos. Quando digo igualmente atendidos, refiro-me as mídias e os divulgadores de mesmo porte das de mainstream. Existem bandas independentes amplamente divulgadas no Mainstream com certeza mas não é a realidade de muitas.
      Existe um exército de artistas elite no Brasil que por falta de orientação, investimento,  recurso e visão vão parar de fazer música em menos de 10 anos de carreira ou vão fazer música só por amor e sem receber nada por seu grande e essencial serviço prestado - a abertura de consciência e a criação de caldeirões de emoções. Existem bons exemplos de artistas que estão impulsionando formas de se organizar por aqui no formato independente como Emicida e seu Laboratório Fantasma (SP) e Tribo da Periferia com sua Indústria Kamika-Z (DF). Com certeza existem muitos outros exemplos por ai mas eu cito esses dois expoentes porque eles tratam do estilo mais precário negocialmente falando no Brasil - O RAP.
      Até hoje existem pessoas que marginalizam esse estilo de um lado e de outro pessoas que vivem a custa da miséria, ignorância e violência nas periferias. Mas esses exemplos citados acima tem mostrado formas práticas de como construir o próprio mercado. Mudou muito, o nível de aceitação do estilo é muito mais amplo do que nunca foi antes e eu vejo que será muito mais aceito e ampliado porque tem muita gente trabalhando pra isso acontecer inclusive o MOVNI.
      É preciso abandonar o espírito de vira lata coitado e se enxergar como uma antena de transmissão importante. Quanto mais bem tratada , organizada e ampliada a frequência dessa antena melhor será transmitida a sua mensagem.
 
Quais são as maiores dificuldades de fazer um som independente?
 
      Primeiro - Falta de reforma tributária. Os tributos marginais "legais" do Brasil dificultam extremamente o acesso a instrumentos e equipamentos essenciais para se montar um estúdio e evoluir a sonoridade da banda. Um americano em menos de 7 meses consegue montar um bom estúdio caseiro trabalhando como garçom por exemplo. Um brasileiro demora em média 1 a 2 anos pra conseguir isso devido a diferença abismal de preço e pelo pequeno poder de compra que temos em nosso país. A família brasileira média dificilmente vai priorizar a compra de instrumento ou equipamentos de áudio para o seu filho  porque isso compromete grandiosamente a renda.  Isso influencia muito a velocidade e qualidade de produção que acontece por aqui porque o artista dificilmente consegue se estruturar rápido e os estúdios tem poucas opções de trabalho a não ser cobrar caro pelas suas produções. 
 
      Segundo -  Mídia seletiva. A mídia brasileira tem a cultura (em sua maioria) de divulgar somente artistas dos estilos mais escutados por aqui (como Sertanejo e Funk). Isso ofusca e torna menos aceitável a publicação de artistas menos famosos ou "menos relevantes" para o povo na visão deles. Mas o curioso é que existem diversos eventos de diversos estilos e todos eles tem público. Já fui em diversos shows e eventos de vários portes e todos eles tem público. A mídia tradicional precisa tornar a divulgação mais ampla nem que seja criando outras marcas ou meios só para divulgar essas bandas "diferentes". Esse tipo de divulgação influência boa parte do sucesso de divulgação de uma banda. Temos aqui bons exemplos dentro da grande mídia como Altas Horas. Esse tipo de programa devia ser diário ou deveria existir mais programas assim em outros canais. Tem o Manos e Minas também. Um site muito bom de divulgação geral, tanto pra independente quanto pra Mainstream é o Tenho Mais Discos Que Amigos. Meu sonho é esse site criar um programa ou ter espaço na TV. É o melhor exemplo nacional de divulgação diversa que temos.
 
      Terceiro - Espaços, casas de show, praça, etc. Temos uma nação sedenta por música e pouca estruturação e incentivo para o crescimento de espaços para que ela aconteça. Precisamos de mais praças, mais casas de show (e menos tributos sobre elas), mais espaços abertos e menos burocracia pra deixar o eventos acontecerem nos espaços públicos. Deixar o bom senso se auto organizar e não querer fazer repressão e inventar desculpas idiotas para proibir esses eventos (como uso de drogas). Na rua ta todo tipo de gente e essa gente quer música e lugares pra ouvi-la! Quanto mais melhor.
 
      Quarto e último - Estudos sobre mercado e negócio musical. O músico precisa entender que música (criação do som) é rei e o negócio é a rainha. Se você quer viver da sua música e aproveitar os frutos dela precisa de estudos e visões sobre negócio. O problema é que o empreendedorismo musical não é amplamente divulgado e incentivado por aqui. Minha dica é - quem sabe esse conhecimento passe pra quem puder e pra quem te perguntar como funciona. E quem não sabe procure saber. Estude (sempre, eternamente) sobre negócios, marketing, marca, divulgação. Isso é essencial pra música ir mais longe.
 
O que te motiva a seguir nesse caminho?
 
      Amor e prazer. Tenho amor pela música. Minha relação com ela é especial. Ela já salvou e estabilizou meus sentimentos e a minha mente mil vezes e até hoje faz isso. Eu costumo dizer que música é a minha droga. Quem me conhece de perto já comprovou isso na prática. Tenho muito prazer em fazer e ouvir música. Enquanto Deus permitir estarei nesse universo que faz parte da minha alma. É inevitável.
 
Em 2012 você gravou o CD “Estilo Livre Musical”, qual foi o impacto dessa obra na sua carreira?
 
      Um marco para mostrar como a minha mente funciona sonoricamente. Um cartão de visita para saber que amo música de diversos estilos e que posso sim fazer qualquer som que eu quiser. Eu sempre quis fazer um álbum assim então pra mim é a concretização de um compromisso comigo mesmo e externamente um diploma de diversidade sonora. Foi muito especial pra mim esse disco, lutei por ele, acreditei e saiu.
 
A faixa “O Monstro Que Há Em Mim” está presente no seu disco solo e foi “formatada” para o disco em grupo com o MOVNI. Porque a formatação e porque ela foi novamente utilizada?
 
      Do MOVNI as pessoas devem esperar de tudo. Nesse caso achamos que tinha tudo a ver com o tema do disco e formatamos a música para ter somente a formação do MOVNI mais a participação do Duckjay que finalizou a música de um jeito impossível de ser retirado.
 
Como ocorreu a iniciativa da formação do MOVNI e qual era a proposta do projeto? O objetivo vem sendo alcançado?
 
      O MOVNI surgiu de maneira natural, pelo respeito e amor dos membros pela diversidade sonora e por sermos admiradores dos trabalhos uns dos outros. Nossa proposta é gerar sensação e reflexão expressando isso em diversos formatos sonoros experimentais e misturativos. Queremos criar um grande cardápio musical mais amplo possível, mas, pautado pela nossa necessidade e vontade.
 
Como surgiu a ideia do disco “Laboratório” e suas respectivas temáticas?
 
      Queríamos deixar claro a nossa bandeira de experimentação e mistura. Laboratório é um dos nomes ideias pra essa ideia. Nós dividimos a quantidade de músicas assim - beats e temas foram divididos entre nós e outros pensamos em conjunto. Bem simples.
 
Como é o processo de construção das letras do MOVNI juntamente com os Mcs Doctor Zumba e Nauí?
 
      O instrumental define o tema. Raramente o contrário. Ouvimos atentamente a batida, definimos o tema ai depois cada faz o dever de casa escrevendo a letra individualmente. Depois que todos terminam nos encontramos para ensaiar, corrigir levadas e letras e depois gravamos.
 
Quais ingredientes você considera necessário para fazer um ótimo show?
 
      Entrega enérgica e espiritual. A presença de palco é quase tudo em um show. Se você tiver uma entrega e um mergulho profundo na musicalidade e interpretação mesmo que erre alguma  coisa, isso será menos percebido do que a sua presença intensa.
 
O que você aconselharia para alguém que está iniciando uma trajetória na música?
 
      Ensaie muito as suas músicas, estude sobre o negócio da música (distribuição, divulgação, marketing, etc), ame o que faz e trabalhe para melhorar em todos os aspectos sempre. Carreira musical é pra gente que está disposta a ouvir  muitos Nãos na vida e ainda contar com a possibilidade de  não ter a compreensão  sociedade e da sua família . Você pode dar sorte de ter apoio dos pais ou de algum grupo musical próximo a você, mas não conte com isso.
      Respeite a sua chama, busque conhecimentos relacionados ao seu mundo e os interligados a ele, trabalhe e se dedique e não espere aprovação das pessoas. Só espere recepção dos seus ouvintes, isso é importante, saber se sua música tem potencial crescente de ouvintes. A, busque ser original ou se for tradicional (fazer música sem mistura de estilo) seja intenso e enérgico.
 
Quais são seus planos futuros?
 
      Muita música, muito clipe, muito show, muito vídeo, muitas parcerias, muitas viagens por causa do som. Fazer a música ser meu escritório majoritário.
 

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